Conseguem ouvir o vento e cheirar a brisa? - entrevista ao biólogo e fotógrafo Luís Salvador


Sempre adorei observar a natureza. Já desde muito pequena, que uma simples mosca ou um caracol eram motivo suficiente para eu olhar bem de perto e imaginar o que estavam a fazer e a pensar.
Assim sendo, quando tive de escolher o que teria de estudar, escolhi jornalismo. O meu sonho era ser jornalista da ‘National Geographic’, percorrer o mundo, conhecer animais e povos longínquos e registar por escrito e em fotografias, tudo o que ía descobrindo.
Apesar de ter estudado jornalismo e de ter sido jornalista, nunca cheguei a trabalhar para a revista da ‘moldura amarela’. Mas o meu fascínio, esse ficou sempre lá, e fui enchendo a casa com revistas.
Enquanto algumas pessoas podem achar aborrecido a ideia de passar horas, bem quieto, para fotografar um animal, para mim era uma incrível aventura. Acho que só tinha receio de me distrair tanto a observar o animal em questão, que me podia esquecer de fotografar.
Claro que é necessário ter um conhecimento daquilo que se está a fotografar, até para tentar antecipar algum comportamento específico que possa ficar eternizado numa imagem.
Tanto os bonecos de tecido que faço à mão como as minhas ilustrações são inspirados na natureza, logo as fotografias são uma parte bem importante, senão fundamental, da minha investigação.
E foi assim, a descobrir imagens espectaculares pelo Instagram, que fiquei a conhecer o trabalho do Luís Salvador.
Luís Salvador por Luís Salvador

O Luís tem 26 anos, vive numa vila típica alentejana, chamada Entradas, no concelho de Castro Verde, que foi recentemente classificado como ‘Reserva da Biosfera da UNESCO’ e é um apaixonado por fotografia, para além de ser biólogo, e aceitou falar um pouco connosco sobre aquilo que faz...
Por quê que começou a fotografar?
Sou apaixonado pelo Alentejo. E como qualquer alentejano, que tem nas suas 'raizes' a arte de contemplar os seus campos, as suas searas, os seus sóis, os seus pássaros e as suas gentes, pretendi sempre captar cada fracção dessa contemplação. Foi assim que comecei. Com a ideia que tudo é finito, nada resiste ao tempo, e que o momento precisa de ser captado com a sua verdadeira essência natural.
Que artistas mais o inspiram?
Antes de começar a fotografar, existia na minha vila um fotógrafo que foi responsável pela grande divulgação da essência natural dos campos alentejanos, especialmente a flora e fauna da região. Chamava-se José Manuel Costa. Recordo-me bem a altura em que a inspiração do “Zé Manel” passou para mim. Era eu miúdo, e por altura das 'Noites em Santiago' - festividade anual da minha vila - foi criado uma exposição que expunha algumas fotografias do seu vasto portfólio. Como a exposição oferecia uma vista privilegiada para o palco das festas, era o local ideal para namoriscar. Mas quando cheguei lá, tendo já alguma paixão pela natureza, fiquei deslumbrado com aquela panóplia de cores e diversidade. O namorisco ficou, claro, para segundo plano!
A fotografia surgiu no seu caminho como forma de retratar o seu trabalho como biólogo ou já era uma paixão sua anterior?
Creio que se baseou numa relação de mutualismo. Os dois interesses foram crescendo em conjunto. Se, inicialmente, a fotografia passava pela captura da essência alentejana, a minha licenciatura em Biologia foi, de certa forma, apurar e filtrar essa essência. E isto começou a formar uma mensagem referente ao meu trabalho como fotógrafo. Que passa por explorar as cores, a luz, e os movimentos que o património natural nos dá, como, por exemplo, registar o movimento da água cristalina numa cascata ou o voar azul de um Roleiro (Coracias garrulus). E isso temos que preservar! Tem que existir essa sensibilização!
Tem algum background em Fotografia?
Não.
Como aprendeu a fotografar?
A minha tenra evolução como fotógrafo deve-se, maioritariamente, às lições do mestre Dinis Cortes, médico e fotógrafo, que têm contribuído eficazmente para a sensibilização e conservação do património natural, especialmente do Baixo Alentejo. Para aprimorar a nossa técnica é essencial estudar. E como gosto de ler, acabei por adquirir dois livros da autoria do fotógrafo português Joel Santos (outra das minhas referências) - 'Fotografia - Luz, Exposição, Composição e Equipamento' e 'FOTOcomposição -  Princípios, Técnicas e Inspiração para criar fotografias únicas'. Depois disto, foi agarrar na máquina e experimentar!
 Trabalha a tempo inteiro como fotógrafo?
Infelizmente não dedico o meu tempo todo à fotografia. Mas como estou a desenvolver um projecto de turismo de natureza no turismo rural Herdade dos Grous, acabo por criar conteúdos fotográficos que permitem divulgar o património natural que está presente no território dessa herdade, como também da restante região alentejana. 
Tem o seu próprio logo? Se sim, foi criado por si?
Sim, era fundamental criar uma marca. Quando estava no processo de criação, olhei para a minha assinatura e pensei que não era má ideia juntar as duas iniciais do meu nome e apelido. E assim surgiu aquele rabisco que contêm o 'LS'.
Utiliza algum material específico para fotografar – câmara, lentes, etc?
Comecei a fotografar com uma Sony Cyber-Shot (muito rudimentar mas conseguia obter alguns resultados), depois passei para a Canon 600D, e agora adquiri uma Canon 6D. A nível de lentes, uso uma para cada finalidade. Se pretender fotografar vida selvagem, tenho que escolher entre uma telezoom (aves, mamíferos, etc) ou uma macro (insectos, flora, etc), e para a paisagem utilizo uma grande angular e, fundamentalmente, um tripé que ofereça estabilidade.
É difícil fotografar a natureza? Tem de se ser muito paciente para esperar o momento certo?
Penso que em todas as vertentes tem que existir paciência na obtenção de um determinado resultado. Em relação à fotografia de natureza, isso acentua-se porque nós conseguimos, de certa forma, prever mas não controlar. Por exemplo, se nós pretendemos captar o movimento de uma ave com toda a sua genuinidade, podemos saber a rotina diária dessa espécie, prever o seu comportamento, mas é impossível controlá-la. A natureza é que está encarregue disso. Por isso, paciência e persistência são a chave para esta actividade!
Que tipo de fotografia gosta mais: a que é de alguma forma encenada e preparada ou aquela que é mais espontânea? Por quê?
Sou da opinião que a fotografia tem que expor um pouco das duas formas. Existe sempre a parte que conseguimos controlar, como encontrar o melhor enquadramento, procurar simetrias e linhas. Depois surge a espontaneidade, a luz, as cores, os movimentos. A fusão de tudo é que torna cada fotografia única e diferente. 

Tem algum tipo de paisagem ou animal que mais goste de fotografar?
Procuro sempre fotografar novos lugares e novas espécies. Essa é sempre a parte mais desafiante, porque obriga-nos a realizar um estudo prévio sobre aquilo que vamos fotografar: reconhecimento do local, comportamento da espécie alvo, luz, etc. Mas existe, perto da minha terra, um monte abandonado que todas as Primaveras é visitado por um casal de Rolieiros (Coracias garrulus), ave azul muito elegante, que viaja de África para nidificar nas paredes em taipa desse local. E todos os anos vou fotografá-los no Verão, altura em que se encontram atarefados na procura por alimento. Gafanhotos, aranhas, lagartos. Tudo serve para saciar o apetite voraz das crias.
Trabalha como biólogo também?
Como referi anteriormente, trabalho como biólogo na Herdade dos Grous, onde estou a desenvolver actividades de natureza, nomeadamente saídas de Observação de Aves pela herdade, monitorização de espécies e alguns projectos de conservação. Aliado a isto, desenvolvo também trabalhos de design gráfico, gestão de redes sociais, marketing e criação de portfólio fotográfico da flora e fauna que ocorre neste local. Se sentirem curiosidade, podem visitar a página do projecto no Instagram: @nature_herdadedosgrous.
Pertence a alguma associação ambientalista?
Actualmente pertenço à Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que está a realizar um trabalho extremamente importante para a preservação da avifauna de Portugal.
Vende o seu trabalho?
Estou neste momento a tratar desse processo. Mas ainda vai demorar o seu tempo. Por isso, agora quero apenas desfrutar e criar um portfólio que vá de encontro aos meus ideais.
É difícil equilibrar o tempo que passa a fazer os teus trabalhos artísticos e o tempo que passa nas redes sociais a promove-los?
Normalmente, a parte da criação e edição dos trabalhos é a que mais demora, mas também a mais entusiasmante e desafiadora.
Tem sido um desafio conjugar tudo. Presentemente, estou com várias ideias para novos conteúdos mas tem sido complicado realiza-los porque estou debruçado na criação de um site pessoal para que consiga expor o meu trabalho e que incluirá um blog, onde as pessoas poderão acompanhar as histórias das minhas viagens. Outra das minhas paixões.
Que rede social prefere? Por quê?
Neste momento não consigo escolher qual a que prefiro mais. Estou a apostar em 3 redes sociais: Facebook, Instagram e Flickr. A primeira é excelente para publicar a história por trás de cada fotografia, enquanto que a segunda apresenta um feedback imediato quando divulgamos conteúdo. Por último, o Flickr funciona como uma base de dados de fotógrafos de todo o mundo, mas para obter resultados é necessário despender algum do nosso tempo.
Que método é que acha que é melhor para ganhar mais seguidores?
Sinceramente, penso que o melhor método é definirmos bem a mensagem que pretendemos passar. Depois passa pela proactividade na procura de parcerias com empresas ou outros fotógrafos para desenvolver ideias, que permite chegar a novos públicos. Porque, pessoalmente, tento ser o mais verdadeiro possível nas redes sociais. As pessoas gostam? Boa! Quantas são? Não interessa. Vamos continuar a trabalhar por mim e para essas pessoas.
 Já participou em alguma exposição?
Ainda não, mas estou a criar e a organizar conteúdos para conseguir realizar exposições para o próximo ano, ou até ainda este ano.
Tem alguma história engraçada relacionada com o seu trabalho como fotógrafo que gostasse de partilhar?
Em Maio deste ano visitei Marrocos. Um dos objectivos da viagem passava por fotografar as aves que habitam o deserto do Saara. Foram 8 dias de pura aventura, onde percorremos cerca de 4000km. O primeiro dia passava por atravessar o Grande Atlas e dormir nas proximidades de Ouarzazate. Chegados famintos a esta cidade, jantámos num restaurante junto à estrada e experimentámos a famosa 'tajine'. Só faltava encontrar um local para dormir. Perguntámos ao empregado de mesa e, depois de oferecida uma boa gorjeta, apresentou-nos um senhor forte e alto que nos levou para um beco que a única saída era uma porta. Ficámos apreensivos. Tudo isto foi por pouco tempo, ao abrir a porta surgiu um senhor que transmitiu tranquilidade e simpatia. Resumo da história: Boa estadia, muito ovo, muita fruta, muito chá e muitas tâmaras. Tudo servido pelo Ahmed, amigo do GerardDepardieu.
Acha que existe algum material específico que seja mesmo necessário para se começar a trabalhar como fotógrafo?
Não propriamente. Tem que existir, sim, uma ideia e vocação para explorá-la. A perspectiva de um momento somos nós que criamos. O material ajuda, mas não faz nem metade do trabalho.
Tem algum conselho para dar a novos fotógrafos que queiram viver da sua arte?
Eu como ainda não vivo dos conteúdos que crio, tenho a noção que temos ter a convicção nas nossas ideias e é fundamental sermos persistentes e dinâmicos, mesmo quando as dificuldades aparecem. Façam o favor de acreditar na vossa arte! O resto surge com naturalidade!
Já pensaram que  se não fossem pessoas como o Luís, que não conhecíamos nem metade dos animais e ecossistemas que existem neste planeta?
E que às vezes, por nos mostrarem o mundo com a sua lente de uma forma tão mágica, até parece que ouvimos os sons e sentimos os cheiros que ‘saltam’ das fotografias?
Podem acompanhar o seu trabalho através dos seguintes links:

Venham, vamos viajar pelo mundo…
Sejam felizes e sorriam,

Sara

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